3.4.06

Boto rosa






"Toda noite de baile, no dia do padroeiro, quando a festa vai bem animada, chega um rapaz. Rapaz muito bonito, todo de branco, de chapéu de palhinha na cabeça. Este rapaz escolhe a cabocla mais formosa e dança com ela, e só com ela, sem tirar o chapéu...senão saltam peixinhos por um buraco que ele tem no meio da cabeça. Dança até o sol raiar. Depois o rapaz sai correndo e se lança no rio lá do alto do barranco. Muita moça donzela, quando aparece de barriga, diz com a cara mais limpa desta floresta encantada: FOI O BOTO. " (Thiago de Mello, no livro Mamirauá).

O boto rosa, Inia geoffrensis, é endêmico dos rios da Amazônia e Orinoco (um dos maiores rios da América do Sul, que atravessa a Venezuela até a Colômbia). Apesar do Jacques Couesteau, em meados dos anos 80, ter gritado aos quatro cantos que tinha descoberto o boto rosa, por estas bandas de cá ele já é conhecido há tempos...

A coloração rosa-batom-de-adolescente é causada pela circulação sanguínea, já que os capilares finíssimos que ficam embaixo da pele são muito visíveis. A coloração parece estar relacionada a maturidade e atividade sexual. Quanto mais maduro sexualmente, mais rosa fica o boto. A coloração também pode estar relacionada com a turbidez da água: botos que vivem em águas claras (em cativeiro, por exemplo), tendem ficar desbotados, enquanto que aqueles que vivem nas águas escuras dos rios ficam mais rosa!

O boto rosa é mais primitivo que seu "primo" tucuxi (o boto cinza, que também habita as águas dos rios amazônicos). A teoria é que o boto rosa tenha entrado na bacia amazônica pelo Pacífico antes do levantamento total dos Andes. Já o tucuxi, o primo mais moderno, entrou pelo Atlântico.

Outra diferença marcante entre os dois botos são os ossos do pescoço. No tucuxi (Sotalia fluviatilis) a vértebra tornou-se fusionada, reduzindo a flexibilidade da cabeça e do pescoço, porém aumentando a rigidez e a resistência nos saltos e acrobacias que tornaram os golfinhos tão famosos. Já o boto rosa não tem esta vértebra fusionada, por isso não fazem acrobacias e saltos, mas usam a flexibilidade que possuem para fazer manobras através da vegetação alagada das várzeas amazônicas. Os tucuxis, por exemplo, nunca adentram a floresta inundada, enquanto os botos rosa passeiam por ela sem problemas, fazendo manobras incríveis pelas raízes e troncos debaixo d'água.

Além da cor, um jeito fácil de reconhecê-los é pelo tamanho. Os botos rosa são pesados e corpulentos, com os machos chegando a pesar 200kg. Já os tucuxis são bem menores e pesam cerca de 50 kg. O macho adulto do boto rosa normalmente tem muitas cicatrizes no dorso. Estas cicatrizes são causadas por brigas durante o acasalamento, onde machos disputam (mesmo!) uma fêmea.

O boto rosa é mais solitário, prefere viver em pares, ou mãe e filho. No período reprodutivo gostam de se agregar em encontros de águas e remansos. A gestação do boto rosa dura cerca de 10-11 meses, e a maioria dos nascimentos ocorrem entre junho e setembro, quando as águas começam a baixar aqui no Mamirauá. Os filhotes normalmente ficam com as mães por 2 ou 3 anos.

O tucuxi tem a gestação similar à do boto rosa, no entanto, eles não entram em briga para acasalar. Vivem num regime de poliandria, onde uma fêmea é fecundada por várias machos e "ganha" quem tiver o espermatozóide mais potente...o que na biologia é conhecido como competição de esperma. Os filhotes de tucuxi nascem quando as águas já estão baixas (outubro-novembro).

O Projeto que estuda os botos rosa aqui em Mamirauá existe desde 1994 (aqui eles chamam o boto rosa de boto vermelho!). Os principais objetivos são estudar a população de botos existentes nas águas do Mamirauá, identificar a área mínima de vida destes animais, o tempo de gestação, número de nascimentos por ano, como se alimentam, quais peixes e toda a biologia desta espécie. Atualmente eles têm mais de 400 indivíduos marcados e muitos já estão marcados com rádio-transmissores, metodologia que permite saber a exata localização dos botos e para onde eles migram.

Nas visitas ao Mamirauá os turistas recebem uma palestra sobre os estudos dos botos, com os pesquisadores responsáveis pelo projeto, além de participarem junto com eles de uma "saída de campo", onde saem de barco atrás dos botos, literalmente...Nestas saídas é possível ver os botos já marcados e vivenciar um dia na vida de um biólogo pesquisador de botos.

Em qualquer época do ano é possível fazer o avistamento dos botos, pois eles são muito abundantes por aqui. Existem cerca de 25 botos por km. Eu particularmente acho que na época que os filhotes nascem deve ser mais legal, porque aí a chance de ver uma mãe com um filhotinho do lado aumenta...

É emocionante ver um bichão desses emergir da água de repente...você escuta um barulho na água, vê uma movimentação e de repente--PIMBA, aparece o bichão! Lindo, rosaaaaa, enorme!

Ainda não consegui uma foto do boto rosa, porque para isso, meus caros, é preciso paciência...e muita sorte! Mas eu chego lá ;)

PS: Achei esta foto do boto no Google. E a referência completa do livro do Thiago de Mello eu dou depois, ok?!

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